Jolanda 160 Project
Texto/ Fotos: Manuel Leotte
Publicado em: Planeta d’Água Nº5 (Setembro – Outubro de 2007)
Durante os vários anos em que estive fora de Portugal, nomeadamente naquela que é considerada uma das Mecas dos mergulhadores, Sharm El Sheikh - Mar Vermelho, fui gradualmente tendo mais contacto, “ao vivo e a cores”, com aqueles nomes de que geralmente só ouvimos falar ou conhecemos através de revistas ou de reportagens da especialidade.
Esta experiência, que me permitiu evoluir, foi-me também aproximando cada vez mais deste meio e das personagens que dele fazem parte.
O projecto em causa começou com um telefonema de um amigo, a dizer-me que eu iria ser contactado para fazer o apoio a meia água de uma tal tentativa de recorde feminino em naufrágio, ao qual logo perguntei se seria o que estava a pensar - o Jolanda – no extremo sul do Parque Nacional de Ras Mohammed, mais propriamente, a uns 200 metros a sul do recife Jolanda, em plena zona de correntes e água azul.
E assim foi, passado pouco tempo estava a ser contactado pela própria mergulhadora Janina Preisner (Nina) que iria fazer essa tal “tentativa” e perguntar-me-ão com certeza: mas tentativa porquê? Porque esta é uma zona que encerra em si inúmeros factores que podem tornar muito difícil uma imersão como esta.
O ponto geográfico mais importante é na realidade, um recife muito conhecido, chamado Shark Reef, com cerca de 45 metros de diâmetro, onde a parede vertical atinge (em carta náutica) cerca de 796 metros de profundidade. As correntes podem atingir, em luas muito específicas, cerca de 6 a 7 nós de velocidade. Normalmente fazem sentir-se correntes entre 1 a 3 nós... o que já é imenso.
Mesmo ao lado deste recife desenvolve-se um plateau com cerca de 27 metros de profundidade máxima, que vem do recife do lado, um pouco mais comprido, chamado Jolanda Reef, que se perde numa vertiginosa parede quase vertical que culmina em profundidades de cerca de 400 a 600 metros.
Entre um recife e outro, desenha-se uma sela onde a aceleração da água é mais uma vez, de loucos. Imaginemos agora, a confluência de todas essas massas de água, da superfície até aos 200 metros... Não dá para imaginar.
A razão do telefonema era completar a equipa de apoio e garantir a cobertura fotográfica da descida e da subida da Nina e do mergulhador de apoio de profundidade, Neil Black. Briefings e mais briefings foram feitos nos dias que antecederam a data da primeira tentativa, para uma coordenação perfeita de toda a equipa.
Os objectivos do Jolanda 160 Project seriam executar com sucesso e de um modo seguro um mergulho a 160 metros no naufrágio do Jolanda e além disso, conseguir o primeiro vídeo deste mesmo naufrágio, desde que ele “escorregou” do seu primeiro local de repouso perto do recife, para uma profundidade de cerca de 150 metros. Como bónus, descobriu-se que se a Nina completasse o mergulho iria obter o Recorde do Mundo Feminino em Naufrágio, batendo assim o anterior recorde de Adina Ochert, de 144 metros.
Dia 28 de Abril:
Realmente impressionante todo o aparato de garrafas e equipamento, com que cada mergulhador configura o seu rig*, de alguma maneira diferente entre cada um, procurando sempre estar o mais confortável e prático possível. Uma corrente de pessoas, que mais parecia uma linha de montagem, a fazer passar 5 troleys* das ditas garrafas, caixas e sacos de material desta equipa composta por 11 mergulhadores de apoio e de 6 membros de apoio nas embarcações.
Nestes primeiros momentos, ainda o barco estava com os cabos amarrados ao pontão, já um autêntico formigueiro de pessoas cirandava de um lado para o outro com os imensos equipamentos e onde a organização a bordo começava a fazer-se sentir. Cada um identificava as garrafas que tinha de levar para, em caso de emergência, fornecer aos dois mergulhadores de fundo.
No meio desta aparente confusão, com tudo já identificado, os gases analisados e as garrafas posicionadas no barco, estavam Nina e Neil com os seus rigs, num local designado só para os dois, onde a profusão de reguladores Apeks XTX 200 em todas as garrafas por ela usadas, o fantástico sistema de asa TCW da Custom Divers e o fato seco da O’Three feito exclusivamente para ela, mais os computadores VR3 a cores, faziam deste espaço, um autêntico expositor de material de vanguarda.
Enquanto esperávamos pelo Search and Rescue de Sharm El Sheikh, que vinha dar apoio ao mergulho, alguns membros da equipa de superfície, tentavam localizar os cabos de descida e subida que tinham sido postos antecipadamente no local predefinido, revendo as coordenadas dadas pelo GPS. Soubemos mais tarde que todo o esquema de cabos e bóias tinha sido “arrancado“ por um dos inúmeros barcos de mergulho que se encontrava a navegar do Estreito de Gubal para Sharm.
Os detalhes do planeamento foram revistos e o briefing começou. Toda a equipa reunida, para John Kean (famoso pelo seu livro SS Thistlegorm) e Chad Clark (Director do OceanTec, que forneceu todas as misturas e garrafas) começarem a relembrar todos os procedimentos do mergulho, a cujo planeamento deram uma grande ajuda Leigh Cunningham e Mark Andrews, recordistas de profundidade de mergulho em naufrágio efectuado em circuito aberto, realizado no final de 2005, na popa do Jolanda, entre os 205 e os 220 metros.
O nervoso da Nina era visível, a quem a equipa estava a prestar todo o apoio possível. Começaram por pôr o equipamento primeiro a Nina e o Neil, ajudados pelos restantes membros. Já dentro de água e agarrados às escadas do barco principal, os dois foram “carregados” com as garrafas laterais (slings), certificando-se que eram as correctas e que estavam colocadas da maneira ideal para poderem ser tiradas na eventualidade de alguma emergência ou só exclusivamente para aliviar o peso na fase final do mergulho, até que uma garrafa de Trimix deco se perde para uns 200 metros, devido a um mau manuseamento e ao swell sentido à superfície. Uma vez rebocados para a bóia do cabo principal de descida, relaxaram durante uns minutos, fizeram o sinal de OK, seguido do de descida. Lá foram eles a uma velocidade de cerca de 40 metros por minuto, levando assim 4 minutos até à profundidade máxima segundo o plano.
Após 22 minutos, a equipa de apoio dos 40/50 metros, onde eu estava incluído, começou a descer no cabo principal, para ir ao encontro dos dois mergulhadores, que estariam lá ao minuto 25. Seguiu-se uma espera algo nervosa por parte da equipa. Não havia sinal de Nina, nem de Neil, nem de bolhas...
Mesmo com a visibilidade de cerca de 50 metros, não conseguíamos vê-los. Largámos o cabo principal e deixámo-nos ir com a corrente para os encontrarmos mais longe no antigo cabo que tinha sido arrancado e cortado. Aproximarmo-nos deles, ver os sinais de OK e um sorriso nos olhos de ambos, foi fantástico. Estavam os dois a sentir-se muito bem e a cumprir o plano à risca...
Foi neste momento que o meu trabalho como fotógrafo começou a ser mais requisitado. Tendo em conta a profundidade a que tudo isto se passava (cerca dos 50 metros), havendo correntes moderadas, ter que estar em controlo de flutuabilidade permanente sem referências visuais, usando um circuito fechado (CCRebreather) e ainda tendo que usar os controlos da máquina olhando pelo minúsculo visor da caixa estanque, é fácil perceber que esta cobertura fotográfica teve dificuldades bastante particulares.
A partir de agora começavam a acabar os curtos patamares profundos (deep stops) e iniciavam-se os patamares de descompressão mais longos (deco stops) e a demorada subida de 220 minutos, com uma atenção redobrada relativamente aos sintomas de doença de descompressão (DDD). Com a corrente a fazer sentir-se, o equilíbrio com os quatro slings tornava-se mais difícil, mas mesmo assim tudo correu bem. No patamar dos 12 metros, substituía-se uma das garrafas de deco, por oxigénio puro, para ser respirado a partir dos 6 metros, recorrendo a alguns air breaks*.
Uma vez no barco, ficámos a saber que o objectivo não tinha sido atingido. As filmagens tinham ficado muito escuras e pouco nítidas e a zona do naufrágio não era a correcta. Foi atingida a profundidade de 155 metros, não sendo cumprido o plano inicial de 160 metros. Dado adquirido, ter-se-ia que repetir o mergulho. Um misto de desilusão, contentamento e alívio pairam no ar. Para três dias depois fica agendado o mergulho seguinte, desta vez com uma esperança diferente de alcançar o objectivo.
Chegado o dia 1 de Maio, tudo corre como planeado, descida rápida sem contratempos, onde é encontrada uma secção da proa do navio aos 159,8 metros, e realizadas filmagens com muito melhor qualidade, filmando até o que o computador estava a mostrar. A área da proa era de um tamanho menor do que se pensava, mostrando muitos estragos. O que não é de surpreender, devido à sua descida dos 20 até aos 160 metros
A subida foi feita seguindo os pedaços de metal espalhados pela parede do recife, terminando na zona mais conhecida dos mergulhadores recreativos, entre o Jolanda Reef e um outro recife satélite chamado Turtle Rock. Aí, todos os mergulhadores são familiares, a equipa estava onde tinha sido planeado, aguardando-os nervosamente para saber as novidades. O local repleto de retretes, lavatórios, banheiras e rolos de linóleo da década de 70, é palco de uma exuberante explosão de vida, completamente diferente das profundidades onde tinham estado anteriormente.
Nina Preisner, é uma Instrutora de Mergulho Técnico da TDI em Sharm El Sheikh. Há três anos atrás, Nina fez uma pausa na sua carreira de advocacia, perseguindo a sua paixão pelo mergulho, mas diz que um dia, irá voltar à sua carreira original.
Neil Black é um Instrutor Técnico da ANDI, também em Sharm El Sheikh. Neil tem uma experiência enorme em naufrágios e tem como último feito no final do ano de 2006, conjuntamente com a sua equipa habitual, a execução de uma abertura no casco do famoso Zenobia em Larnaca, Chipre, dando assim acesso ao porão onde se encontra o hélice sobresselente e ao último deck. Esteve também envolvido na localização do naufrágio Heron em 2003, ao largo da costa NW de Jersey.
Para mim, todos estes contactos que se proporcionaram ao longo destes anos, fizeram com que eu dirigisse mais ainda a minha carreira de mergulhador e de Instrutor para a vertente do mergulho técnico. De destacar, a possibilidade de em profundidade poder obter um registo fotográfico, de locais que dificilmente seriam revelados, devido ao nível técnico das imersões. O equipamento fotográfico usado foi uma Nikon D100 com uma caixa estanque Aquática D100, dois Flashes Nikon SB 105 e braços Ultralight Control Systems.
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Rig - expressão usada para especificar o equipamento composto por garrafa, equipamento para controlo de flutuabilidade(asa)e reguladores.
Troleys - carrinhos muito usados em Sharm, para transporte de garrafas e diverso equipamento de mergulho, dos centros até às embarcações.
Air Breaks - momentos em que é interrompida o uso de oxigénio como gás descompressivo, com o objectivo de reduzir a percentagem CNS; nesses momentos respira-se a mistura menos rica em oxigénio a que se tiver acesso, sendo o ar o gás mais indicado.