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Estudo do ss Dago


O navio

O ss(1) Dago foi construído na cidade de Dundee, na Escócia, no ano de 1902 pelos construtores navais Caledon Shipbuilding & Engineering, Co. Ltd., a pedido da Wilson Line de Hull, aquela que após aquisição pela Ellerman, viria a transformar-se na maior companhia de navegação do mundo à época.

Registado nesse mesmo ano, no porto inglês de Hull com o n.º 113645 em nome de Wilson, Sons & Co. Ltd., tinha 280 pés de comprimento e 1653 toneladas brutas. Em 1909 foi aumentada a sua capacidade, passando para 1757 toneladas brutas. Sofreu pelo menos uma grande recuperação em 1930, já com a Ellerman Wilson Line como proprietária.

Fabricado em aço, possuía 5 acessos aos porões de carga, e era movido a vapor através de duas caldeiras de 200 libras de pressão e um motor recíproco vertical composto de tripla expansão, ou seja, de 3 cilindros: um de alta pressão, um de média e outro de baixa pressão. Um condensador de serpentinas devolvia a água em estado gasoso, à saída do cilindro de baixa pressão, ao estado líquido e de novo às caldeiras. Fabricado pela mesma Caledon Shipbuilding & Engineering, Co. Ltd., este motor movia uma única hélice e debitava cerca de 154 NHP(2), proporcionando uma velocidade máxima de 11,5 nós.

Ainda que equipado com a tecnologia de ponta que a época desenvolveu em torno do vapor, à data do seu afundamento possuía uma engenharia muito ultrapassada ou obsoleta. Ainda assim, era um navio requisitado para o esforço de guerra, transportando carga geral entre Gibraltar e Liverpool, cabotando ao longo da viagem, em portos como Lisboa e Leixões. Aliás, o ss Dago foi requisitado tanto na Segunda Grande Guerra como na Primeira.

Em 1942, na sua derradeira viagem, possuía uma tripulação constituída por 37 elementos, seis dos quais da Marinha de Guerra, servindo como artilheiros, manuseando o armamento que existia a bordo, nomeadamente: duas Marlins duplas, duas Hotchkiss, uma Lewis de fita, um Holman Projector e dois lança-foguetes P.A.C.

O afundamento

No dia 15 de Março de 1942 o ss Dago navegava solitariamente, de Lisboa com destino a Leixões, com 300 toneladas de carga. Era uma tarde nublada, com vento forte e alguma ondulação. Por volta das 17:00 a tripulação avistou um avião vindo na sua direcção. Sem esperar por uma identificação clara, esta disparou sobre ele, dissuadindo-o a afastar-se. Felizmente os disparos não atingiram o alvo, pois na realidade confirmou-se como sendo um Short Sunderland Inglês.

A viagem continuou sem sobressaltos, a 10,5 nós, até que por volta das 18h00, junto do Cabo Carvoeiro, novo avião foi avistado, vindo de terra na direcção da proa do navio. À vista do navio o avião executou uma viragem apertada para Bombordo e sobrevoou-o da proa à ré, a baixa altitude. Desta vez não houve dúvidas, era um Focke-Wulf Fw 200 Condor(3) Alemão.

A tripulação acorreu às armas e na primeira passagem dois foguetes P.A.C. foram disparados, infelizmente demasiado cedo, não provocando qualquer problema no avião. Foi disparado também o Holman Projector, sem sucesso, tendo o avião guinado de novo para mais uma passagem, desta vez da ré à proa. A tripulação disparou todo o armamento defensivo existente a bordo sobre o avião que agora se encontrava mesmo à sua frente. As munições tracejantes pareciam indicar que a tripulação estava a atingir o avião, mas este fez nova viragem e de novo sobrevoou o navio. Até agora o avião não tinha disparado sobre o navio, ou sobre ele lançado qualquer bomba, mas na terceira passagem abriu fogo com o seu canhão, tendo atingido principalmente a água e os “escudos” de protecção das armas, não tendo ferido qualquer dos tripulantes ou artilheiros. Nesta terceira passagem o Focke-Wulf largou três bombas. Uma destruiu o castelo da proa, outra atingiu a lateral de Bombordo junto à ponte, destruindo-a parcialmente, assim como, ao mecanismo de emergência para paragem do motor, mantendo assim o navio em andamento, e, uma outra, entrou no segundo porão que estava vazio.

O navio começou de imediato a meter água pela proa. Como continuava a navegar e a única antepara existente estava na altura aberta, a água rapidamente chegou a meio navio e este começou a afundar de proa rapidamente.

Foi dada ordem para abandonar o navio e os salva-vidas foram descidos. O Chefe de Máquinas desceu à casa das máquinas e parou o motor, no entretanto.

O navio estava perdido e a afundar rapidamente. A hélice começava a erguer-se fora de água, quase matando os ocupantes de um dos salva-vidas.

Segundo os testemunhos da tripulação, 5 minutos apenas passaram desde o ataque e o ss Dago desaparecer sob as águas de Peniche. Incrivelmente, dos 37 tripulantes apenas 4 ficaram feridos, e ainda assim, sem gravidade.

Um hora depois um salva-vidas motorizado de Peniche chegou aos náufragos e transportou-os para terra, ainda que à chegada ao porto tivesse sido necessário que os pescadores locais entrassem na água para auxiliar o difícil desembarque.

Perdia-se assim o ss Dago com toda a sua carga, repousando hoje a cerca de 50 metros de profundidade.

O destroço

Num fundo de areia fina e a escassos 500 metros de outro destroço, responsam agora os vestígios do ss Dago.

Partido em dois segmentos, separados exactamente no 2º porão, onde a segunda bomba do Focke-Wulf FW 200 Condor o atingiu, o destroço encontra-se já muito destruído. As zonas onde a pressão da casaria mais se fez sentir, desabaram e encontram-se hoje, planas ao fundo, num extenso “mar” de destroços.

No entanto, os dois segmentos são uma visão impressionante. O ss Dago nos seus cerca de 90 m, fabricado em aço, irá resistir por mais uns bons anos. A popa até à casa das máquinas ainda se observa “de pé” com a quilha enterrada até à linha de água, parecendo navegar. O segmento da proa, está agora de lado com o convés virado para a popa, quase tocando as caldeiras e o motor, que agora repousam isolados sobressaindo no meio dos destroços. Naturalmente, a ponte há muito ruiu sobre a casa das máquinas.

Parte da carga ainda é perfeitamente visível no 1º porão de vante, onde se pode facilmente entrar dentro do segmento da proa.

Estando ao largo, a cerca de 4 milhas da costa, não é um mergulho de facilidade imediata, até pelas boas condições meteorológicas que exige e pela profundidade de 50 metros a que se encontra, a requerer, naturalmente, qualificação, experiência, treino, equipamento e um adequado apoio de superfície.

É indubitavelmente uma das melhores experiências deste género em Portugal e, uma cápsula do tempo que rogamos seja preservada, através da prática do respeito pelo destroço, por quem construiu o navio, por quem o tripulou e a ele sobreviveu, e, por todos os mergulhadores que ainda não o visitaram e que quando o fizerem, o quererão observar em todo o seu esplendor, mas não delapidado dos seus detalhes sob a forma de recordações sem qualquer utilidade colectiva ou científica.

Nem sempre tem sido assim!!!!

A investigação

Há muito que se ouvia falar da localização do Dago. Os pescadores falavam de um peguilho(4) no mar da bóia(5), junto do local presumível do afundamento. Muitos mergulhadores “iam ao Dago”, mas, na realidade, nunca ninguém tinha recolhido as evidências necessárias e suficientes, para que, com elevada garantia, se pudesse afirmar que ali se encontrava o destroço do ss Dago, afundado em 1942.

Esta incerteza era até reforçada pela existência de outro destroço a escassos 500 metros de distância. Quando perguntávamos a pescadores, mergulhadores e centros de mergulho, onde ficava o ss Dago, estes indicavam-nos coordenadas que muitas vezes diziam respeito a um e a outro dos destroços. Os testemunhos diferenciavam-se quando se descrevia o Dago, umas vezes tratava-se de um destroço, outras, do outro. Era necessário proceder a uma mais rigorosa e científica recolha de elementos no terreno, e, simultaneamente, intensificar a investigação historiográfica em torno do navio, dos seus proprietários, da sua tecnologia, dos aviões envolvidos com o Dago naquele dia 15 de Março, dos impactos local e nacional do acontecimento, etc., etc.

Naturalmente que é impossível e até pouco relevante determinar quem terá mergulhado primeiro no destroço, mas sabemos que João Neves, Laura Neves e Tózé Pata mergulharam no destroço em Julho de 2004, o grupo In Silence(6) ali efectuou algumas imersões desde 2005 e em 2006 um outro grupo ali iniciava imersões com vista ao estudo do ss Dago, desta vez o XploraSub(7). Nesta mesma altura já o Paulo Costa se interessava por ele. Autor do primeiro artigo nacional sobre o afundamento, e provavelmente, a primeira pessoa que de forma historiográfica se interessou por ele, recolheu o maior e mais importante conjunto documental que se conhece sobre o navio.

Incontornável é o documentário realizado para a RTP2 por João Sá Pinto e transmitido em 19 de Agosto de 2007 naquele canal(8). Neste documentário abordam-se as questões historiográficas em torno do naufrágio e observa-se o destroço através de um conjunto incrível de imagens, captadas entre 2005 e 2006.

Em Agosto de 2007, uma feliz coincidência, criaria as condições para que se iniciasse um verdadeiro projecto de investigação em torno do ss Dago, nas suas várias vertentes. O extinto GEPS – Grupo de Estudos e Pesquisas Subaquáticas procurava uma equipa de mergulhadores com a formação, experiência e interesse para investigar este destroço e o XploraSub procurava orientação científica, com o mesmo propósito. Com as sinergias desta colaboração e a integração do Paulo Costa e do Armando Ribeiro para o registo fotográfico, este último pertencente ao já referido In Silence, o projecto arranca, com acções de formação sobre tecnologia do vapor e sobre métodos de registo arqueográfico.

Como disse, o projecto possuía duas vertentes fundamentais: a historiográfica e documental e a in situ, que funcionariam em simultâneo.

As imersões iniciaram-se de imediato, e ainda hoje se verificam, com o objectivo primeiro de mapear o destroço, medi-lo, conferir a sua orientação e contexto, e, mais importante, recolher medidas de zonas notáveis do navio para comparação com os planos da época da sua construção que possuímos. Lembremo-nos que estava por provar qual dos destroços correspondia de facto ao ss Dago, se algum deles correspondesse. Com este propósito foram analisados os dois destroços, e não apenas o que era comummente designado com “o Dago”.

A sorte estava do nosso lado e o segundo destroço possuía um motor, que mesmo sendo a vapor, não coincidia com o motor do ss Dago. O segundo destroço estava excluído. Faltava encontrar correspondências estruturais notáveis, entre o destroço remanescente e o ss Dago.

Com base nas primeiras imersões e os dados notáveis recolhidos, depois de comparados com os planos da construção, podemos agora com muita segurança afirmar que, de facto, o local onde os pescadores sabiam existir um peguilho e que os mergulhadores consideravam como sendo “o Dago”, era de facto o destroço do ss Dago, ali perdido em 1942.

Em termos de apoios, de registar a Câmara Municipal que apoiou financeiramente o projecto uma vez durante estes três anos, com cerca de 2000 €, assim como a Caixa de Crédito Agrícola com outros 1000 €. Desde Agosto de 2007, a equipa continua a custear integralmente do seu bolso todas as despesas com logística e alimentação, sendo que o apoio externo referido, apenas custeou uma semana de campanha, atendendo aos elevados custos com o frete dos operadores, os gases diferentes de ar que se respiram aquelas profundidades, alimentação, equipamento, deslocações, etc. As imersões foram realizadas com o apoio do centro de mergulho Subaquática de Peniche, com uma excepção para duas imersões realizadas com a Haliotis e com a Atlântida Sub, também de Peniche.

No presente, a investigação continua, o destroço continua a ser registado, todos os dias nos chegam notícias e documentos, adquirem-se artefactos relativos às companhias de navegação que detiveram o navio, convencem-se detentores anónimos de artefactos retirados do fundo a devolvê-los. Tudo isto na esperança que um dia, se reúnam as condições e o interesse para uma exposição digna do papel que este navio teve ao nível local, e coincidente com o respeito que os seus tripulantes e os seus salvadores merecem, ou mesmo, exigem.

Ficha Técnica

Data de construção:

Lançado em 11 de Abril de 1902 e terminado em Maio do mesmo ano

Registo:

Em nome de Wilson, Sons & Co. Ltd., no porto de Hull (Kingston upon Hull), Inglaterra, com o n.º 113645

Proprietários: Wilson Line e Ellerman Wilson Line à data do afundamento

Constructor:

Caledon Shipbuilding & Engineering, Co. Ltd.

Local de construção: Dundee - Escócia, estaleiro 163

Pavilhão:

Britânico

Tonelagem Bruta:

Na construção, 1653 toneladas. Aumentado em 1909 para 1757 toneladas

Comprimento:

280 pés, cerca de 85,5 metros, à data da sua construção

Material de construção:

Aço

Motor e Caldeiras:

1 motor a vapor vertical recíproco de tripla expansão (3 cilindros) com 154 NHP e 11,5 nós de velocidade máxima. 2 caldeiras em aço com 200 libras de pressão. 1 hélice

Afundamento:

15 de Março de 1942 ao largo de Peniche a SW do porto de pesca

Causa do afundamento:

Bombardeamento por um Focke-Wulf FW 200 Condor Alemão

Profundidade do destroço:

50 metros

Equipa, por ordem alfabética

• Armando Ribeiro (In Silence)

• Carlos Gomes (Xplorasub)

• Carlos Trindade (Xplorasub)

• João Pedro Freire (Xplorasub)

• Jorge Russo (GEPS)

• Juan Zwolinski

• Luísa Tavares (Xplorasub)

• Manuel Leotte (Xplorasub)

• Nuno Sousa (Xplorasub)

• Paulo Carmo

• Paulo Correia

• Paulo Costa

• Pedro Encarnação (Xplorasub)

• Pedro Ivo (Xplorasub)

Autoria do texto:

Jorge Russo

Autoria das fotos:

Armando Ribeiro, Manuel Leotte, Carlos Gomes

 

(1) O prefixo “ss” significa que o navio possui apenas 1 (uma) hélice – Single-screw.

(2) Nominal Horse Power.

(3) O Focke-Wulf FW 200 Condor foi um esplêndido bombardeiro de grande alcance, utilizado pelos Alemães nos mais variados cenários, mas de forma muito eficaz na “Guerra do Atlântico”. Partindo do Norte de França em conjunto com os U-Boot, não deram tréguas aos navios que abasteciam a Grã-Bretanha. Começou por ser desenvolvido em 1936 como avião de passageiros e carga, mas rapidamente foi adoptado pela Luftwaffe. O avião pessoal de Hitler e de Himmler foi um Focke-Wulf FW 200 Condor.

(4) Peguilho é o termo utilizado pelos pescadores quando se referem a um obstáculo, natural ou artificial, que condiciona a sua prática profissional, nomeadamente, pela possibilidade e risco da perda das redes e demais artes de pesca.

(5) Designação antiga e curiosa, já não usada, de origem que desconhecemos, eventualmente pela existência na zona de bóia ou bóias relevantes.

(6) http://www.in-silence.com

(7) http://www.xplorasub.com

(8) Período da recolha de imagens: de 2005 a 2006; Realização: 2006; Data da emissão RTP2: 19-08-2007 (21:00); Duração: 23 minutos; Pesquisa histórica: Paulo Costa, Luís Fonseca e Susana Fonseca; Texto: Susana Catita; Realização e imagem: João Sá Pinto; Organização dos mergulhos: "In Silence".


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