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150 metros


Texto: Manuel Leotte

Fotos: Sarah Kowaleski

Publicado em: Planeta d’Água Nº4 (Julho – Agosto de 2007)

Quem se deslocou a Sharm El Sheik, concretamente ao Camel, nos últimos dois anos, terá deparado com um especial elemento do staff do centro: cabelos queimados pelo mar e pelo sol, bem disposto, falador e ... português!

Manuel Leotte aproveitou a sua estadia de trabalho no Mar Vermelho para evoluir na sua carreira de mergulhador técnico. No âmbito da formação e treino continuado que tem vindo a seguir, efectuou há dois meses, um mergulho a 150 metros (151).

planetad’agua - Como nasceu a ideia de um mergulho a 150 metros?

Manuel Leotte - Este mergulho nasceu de um interesse mútuo em poder ir visitar locais mais fundos, como por exemplo Deep Wrecks...por isso este mergulho é o primeiro de muitos que vão acontecer para treino. Mesmo em treino se batem recordes pessoais de profundidade e neste caso foi o que aconteceu. As minhas intenções não acabam aqui...

planetad’agua - Em que local foi realizado o mergulho?

ML - Escolhemos a parede entre o Site Shark Observatory e Anemony City. Uma parede que é vertical até aos 60 metros, inclina um pouco até aos 100 e depois fica vertical até perder de vista. Nas cartas de navegação a profundidade máxima neste local é de aproximadamente 300 metros...

planetad’agua - Quanto tempo de preparação teve o mergulho?

ML - Começamos a falar neste mergulho cerca de oito meses antes...nem sempre existia tempo para nos dedicarmos a 100%, mas depois decidimos que se queríamos mesmo executar o mergulho, teríamos que dar perioridade a certas coisas na nossa vida...noites de estudo dos programas, das configurações, mergulhos em piscina e no mar mesmo a baixa profundidade, com algumas simulações de drills de emergência...mergulhos mais fundos com a mesma configuraçao até gostarmos do que estávamos a usar e como estávamos a usar...o ultimo mergulho antes do de 151 metros foi a120 metros...depois era só dar o salto de 30 metros que parecem 100...mas correu tudo bem...e não houve incidentes...

planetad’agua - Que logística esteve envolvida? (barcos, pessoas, garrafas/reguladores)

ML - A equipa foi composta por cinco mergulhadores, três pessoas para suporte de superficie e um fotógrafo na embarcação.

Os reguladores usados por mim foram, na mistura de fundo como principal um Apeks XTX 200 e back up um velhinho Scubapro MK20/S600, que provou ser uma máquina de guerra...numa bi de 12 litros com manifold. Na mistura intermédia (numa garrafa de12 litros de alumínio) foi usado outra vez um Apeks XTX 200, na primeira mistura de descompressão (outra garrafa de 12 litros de alumínio) usei um Scubapro Mk2+/R390 e no Nitrox igualmente em garrafa de 12 litros de alumínio também, um Aqualung Calypso O2...aquela máquina que nós todos conhecemos...imbatível...

A equipa teve como suporte de superficie uma embarcaçao de 20 metros, o ADMIRAL, que tem o espaço ideal para este tipo de actividades.

Estavam dois mergulhadores de apoio, um aos 60 metros e outro aos 100 metros, que após os planos serem cruzados, fizeram uma coordenada subida ao mesmo tempo que os três mergulhadores que atingiram os 150 metros.

planetad’agua – Qual a configuração utilizada com todo esse equipamento

ML - Nos reguladores, para além da mistura estavam indicadas as MOD para as mudanças.

A configuração para os reguladores em termos de colocação de 2ºs andares, XTX 200 na post direito com long hose e mangueira do colete, MK 20/S600 back up no pescoço e Manifold aberto ( para evitar o task loading da mudança dos reguladores...)

A estratégia para a colocação das garrafas, nomeadamente quanto à sua sequência de utilização foi a mistura rica na direita, o Tx 32/15 perto de mim à esquerda, e agarrada com dois double clip a garrafa com o gás de travel com Tx 15/45...por ser retirada em primeiro lugar, nos patamares mais à superfície...como tem hélio fica muito instável em termos de flutuabilidade...

Por isso prendi a 5ª garrafa à sling não aos D-rings. Não senti absolutamente nenhum desequilíbrio lateral...devido ao hélio...mergulhei sem qq peso adicional...nem nas garrafas nem à cintura...

Misturas com 27% de Azoto, 40% de Azoto, 53% de Azoto, 28% de Azoto (sem He, para limpar)...e tivemos em consideração a PpN2 e a contra difusão isobárica, que foi não mais do que 0,5 bar...nunca...

As profundidades de mudança têm a haver com as PpO2 das misturas...EANx72 aos 12mt, Tx32/15 aos 36mt, Tx 15/45 aos 78mt no fundo obviamente o Tx8/65...

planetad’agua - Que misturas foram usadas? (fundo e deco)

ML - A mistura de fundo foi um Trimix 8/65, na intermédia usamos Tx 15/45.

A descompressão iniciou-se com um Tx 32/15, passando depois para o Ean 72.

planetad’agua - Qual o software utilizado para planear a descompressão?

ML - O software escolhido foi o V-Planner na versão VPM-BE que é um pouco mais conservador. 45 metros por minuto de velocidade de descida, mas os cálculos de consumo foram palneados fora do V-Planner. Foram usados VR3 no mergulho, que foram testados antes com o V-Planner.Embora não tenham o mesmo algoritmo, deram planos muito similares aos do V-Planner.

planetad’agua - Descrição do mergulho

ML - Descida de pés, perfeita...acompanhados por quatro Trevallis lindos e enormes, desde os 80 metros até aos 125 metros...a rodopiar no conjunto dos três mergulhadores...de sonho ...fantástico...

A descida demorou 4 minutos e 45 segundos aproximadamente... com um tempo de fundo de cerca de 1 minuto e meio...(Plano no V-Planner de 7 minutos).

A subida dentro da velocidade acordada...correu lindamente e os intermináveis 30 metros de distância...desapareceram sem dar por isso...tendo sempre uma relaxada respiração com os fenomenais XTX 200 da APEXS...(Obrigado João Pedro Freire...)

A partir dos 98 metros, os deep stops...e a cerca dos 80 metros começou a vir uma uma corrente descendente que não ajudou nada...mas mesmo assim...fácil de controlar...chegando aos maiores patamares de descompressão...18, 12 e 6 metros...no qual tive de fazer cerca de 60 minutos de paragem...sempre com o 72% ...

No final tudo correu como o plano...

O nervoso tomou conta de mim no início... mas depois a confiança chega com tudo que se aprendeu com os cursos, os amigos, experiência ganha com inúmeras conversas...e imersões...

Queria agradecer aos dois mais importantes amigos destas andanças...Pedro Ivo Arriegas e João Pedro Freire...

planetad’agua - Que tipo de pensamentos e sensações ocorrem aos 150 metros de profundidade?

ML - Os pensamentos oscilam entre a confiança do nosso conhecimento, treino, equipamento, cumprimentos do plano, algum controlo da narcose, por mais subtil que seja, pode afectar em muito o cumprimento do mesmo...no início o respeito pelo meio onde vamos estar durante as três ou quatro horas que se seguem, faz com que tenhamos uma impressão no estômago durante a descida...concentração maxima...e controlo de tudo...comunicação com os outros membros da equipa também é uma coisa de maior importância...cumprir os planos durante a subida e toda a descompressão torna-se prioridade...sentir o equipamento a funcionar...e a não falhar...o equipamento tem de fazer parte do nosso corpo...

planetad’agua - Quais os planos para futuros mergulhos?

ML - Existe um aspecto muito importante para se poder fazer mergulhos deste tipo, TREINO. Sem treino não se conhece o equipamento, não nos conhecemos a nós próprios, as nossas reacções, até que ponto o automatismo do nosso funcionamamento está bem desenvolvido...por isso, os planos para futuros mergulhos já estão a decorrer. todas as semanas desde este mergulho faz-se um mergulho profundo (entre os 80 e os 130 metros) para treinar tudo...e aqui no Mar Vermelho, claro que é um lugar ideal para isto...existem certos naufrágios que gostaria de ver...noemadamente o Yolande que está entre os 147 e os 200 metros.

planetad’agua - Quais as motivações para ir tão fundo?

ML - As motivações para fazer mergulhos deste tipo, além de poder pôr em prática todo o conhecimentos que se vem acumulando durante anos de mergulho e ver acontecer os planos que elaboramos, mergulhar em náufragios profundos é outra das motivações...e não posso dizer que não existe alguma adrenalina no meio disto tudo...


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