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Da actividade recreativa à técnica subaquática especializada


Texto: XploraSub (por Pedro Ivo Arriegas)

Fotos: Manuel Leotte, José Gomes, Miguel Lopes, João Gaspar, Manuel Brissos de Carvalho, Luís Fonseca, Fábio Tulli, Sarah Kowaleski e Gilles Carmine

Publicado em: Revista Cais #155 (Agosto 2010)

Mergulho com escafandro autónomo

Uma das características mais interessantes do mergulho efectuado com recurso a equipamento (o escafandro) que possibilite a nossa manutenção debaixo de água durante períodos mais ou menos longos sem ligação à superfície (por isso autónomo), é a sua versatilidade. Esta impede-nos de o considerar como somente um desporto, uma mera actividade lúdica ou apenas uma forma de suporte de vida num meio hostil para acedermos a outras actividades como a fotografia, a espeleologia, a arqueologia ou a construção civil.

Acabaremos por concluir que existem muitos diferentes tipos de mergulho e que para cada um de nós, diversos nos gostos e interesses, nas capacidades físicas, mentais, monetárias e técnicas encontraremos sempre algo que nos agrade, que nos dê acesso a um mundo que, habituados a observar através do televisor, está afinal aqui tão perto!

Segurança

Para ser executado em segurança, o mergulho poderá ser mais ou menos exigente quanto à condição física do mergulhador (força, resistência, capacidade cárdio-respiratória), poderá requerer um maior ou menor controle mental (na forma como lidamos com a ansiedade, com a escuridão, com os nossos medos subconscientes), solicitará uma maior ou menor capacidade de manuseamento do equipamento (do mais simples ao mais complexo) e poderá necessitar de bases técnico-científicas mais ou menos sólidas (fisiologia do mergulho, leis dos gases, teoria da descompressão, etc.), mas regra geral é um desporto bastante benigno em termos de acidentes, de fácil execução e com um elevadíssimo retorno em termos de satisfação, e que pode ser praticada por quase todas as pessoas, desde a adolescência até muito tarde.

Sem nos determos no mergulho como veículo para o desenrolar de actividades profissionais, falemos então do mergulho que mais interessa ao comum cidadão, o denominado mergulho amador. Este é geralmente dividido entre o mergulho recreativo e o mergulho técnico, mas mesmo esta fronteira, se existe, não é fácil de situar.

Mergulho recreativo

O mergulhador recreativo é aquele que geralmente observamos a entrar ou sair de um qualquer cais ou marina, num barco pneumático, durante as férias em qualquer região tropical ou mesmo na grande maioria das fotografias e imagens televisivas. Este tipo de mergulho possui um carácter lúdico, os participantes organizam-se em pares ou em pequenos grupos liderados por um instrutor ou um mergulhador experiente e qualificado, o Dive Master ou Dive Leader, transportam por norma apenas uma garrafa às costas e preparam-se para partilhar um agradável passeio subaquático, em condições de segurança, onde poderão estar em contacto directo com a vida selvagem.

Existem diversas agências de mergulho recreativo, habitualmente de carácter empresarial, que são proprietárias de programas de ensino amplamente testados, reconhecidos internacionalmente pela sua qualidade, e que formam por ano uma larga quantidade de mergulhadores. Estes programas são geralmente constituídos por diversos níveis (da iniciação ao instrutor) e permitem ao mergulhador aceder a um processo lógico, gradual e seguro de desenvolvimento de capacidades, experiência e conhecimentos, possibilitando a sua participação em mergulhos com níveis crescentes de exigência. Esta aprendizagem progressiva possibilita que o mergulhador vá evoluindo, em pequenos passos sustentados, sempre num ambiente controlado e vigiado.

Cursos

Em tempos não muito distantes, os cursos de mergulho possuíam pesadas componentes teórica e prática e constituíam-se como um curso único, uma prova difícil que se superava uma vez na vida e onde se tentava que o candidato a mergulhador ficasse a saber quase tudo o que se conhecia sobre o mergulho. Não tinham em consideração uma abordagem faseada, que fosse acompanhando a experiência adquirida e consolidada pelo mergulhador. Ao candidato a mergulhador era solicitado, logo no início, que provasse a sua capacidade de pertencer a uma “elite”.

Esse tempo felizmente passou e a maneira como o mergulho é hoje ensinado e aprendido é bastante mais sensata e atractiva, sendo a formação distribuída por cursos menores, espaçados no tempo, podendo o mergulhador progredir em pequenos passos seguros e até onde desejar ou se sentir capaz, ao mesmo tempo que vai retirando muito maior prazer da prática da modalidade.

Descompressão e flutuabilidade

Um programa de ensino de mergulho de primeiro nível é sempre constituído por aulas teóricas e aulas práticas em local resguardado (geralmente numa piscina) e em local aberto (geralmente no mar).

Ao aluno é transmitido conhecimento sobre o papel do azoto na doença de descompressão e de como funcionam as tabelas de descompressão, devendo o aluno ficar apto a reconhecer os seus sinais e sintomas e a saber qual o primeiro socorro que deve ser aplicado a uma vítima. O aluno aprenderá também como a pressão ambiente o afecta e como pode facilmente evitar lesões derivadas das diferenças de pressão, e sobre como deve controlar a sua flutuabilidade e agir no meio subaquático (na descida, no fundo, na subida). Ser-lhe-ão dadas noções sobre o equipamento básico (máscara, barbatanas, tubo e lastro) e também sobre o funcionamento do colete de controlo de flutuabilidade, da garrafa e do regulador, da fonte de ar alternativa e dos instrumentos de mergulho (computador, profundímetro, relógio ou tabelas).

O aluno aprenderá igualmente a utilizar os sinais internacionais de mergulho, muito simples, mas essenciais quando em imersão e a perceber a importância do sistema de parceiros na segurança de ambos e a necessidade de planear devidamente cada mergulho, procedendo ao cálculo do ar e avaliando possíveis incidentes, aprendendo a reconhecê-los e corrigindo o seu plano de forma a evitá-los.

Outras áreas que podem ser ainda abordadas são o mergulho profundo, o nocturno, ou em naufrágios, ou mesmo a orientação subaquática e a utilização de bóias e carretos.

Mergulho técnico

A fronteira entre o mergulho técnico e o recreativo não é facilmente definível, mas habitualmente apelida-se de técnico o mergulho que pela sua duração, profundidade, equipamento, misturas gasosas utilizadas, obrigações descompressivas ou penetração sob tecto, se afasta do mergulho acima descrito.

Este tipo de mergulho não constitui um fim em si, sendo antes um meio para alcançar objectivos que pela sua profundidade, distância ou localização são inacessíveis através das normais práticas de mergulho. É uma actividade exigente, realizada por mergulhadores dotados de bastante experiência, baseada em projectos e equipas, utilizando equipamento de ponta e recorrendo a procedimentos técnicos avançados, o que implica uma constante actualização e treino continuado por parte dos envolvidos.

Tal como no mergulho recreativo, também aqui a importância da formação não pode ser menosprezada. Técnicas avançadas de descompressão, uso de misturas gasosas, toxicidades dos gases, protecção térmica, controlo do stress, opções de equipamento e respectiva configuração, planeamento operacional e manipulação de carretos, são apenas alguns dos tópicos abordados.

XploraSub (Grupo de Exploração Subaquática)

Esta equipa de mergulho técnico existe desde Julho de 2005 e tem desenvolvido projectos de exploração no âmbito do mergulho em naufrágio, em gruta, sob o gelo e de profundidade, não só em Portugal, mas também no México e no Egipto. O XploraSub/GES considera importante o reconhecimento internacional do mergulho nacional e a integração dos mergulhadores portugueses na comunidade global do mergulho técnico.

Exploração das galerias submersas da gruta do Almonda

Tendo em Maio de 2007 sido novamente desobstruída a entrada subaquática do sistema, deu-se então início à marcação sistemática das galerias, primeiro no labirinto da entrada e agora alastrando-a a outras áreas submersas. Desde aí que o Xplorasub/GES, em parceria com a SAGA (Sociedade dos Amigos das Grutas e Algares) e o NEUA (Núcleo de Espeleologia da Associação Académica da Universidade de Aveiro), prossegue a exploração da parte submersa da gruta do Almonda.

O objectivo principal é aferir a topografia de galerias conhecidas, procedendo em simultâneo à limpeza de fio velho e ao re-equipamento das galerias. Prossegue de igual modo o mapeamento de galerias que não apresentam indícios de terem sido anteriormente topografadas.

Mergulho profundo no Mar Vermelho

Em Setembro de 2006 e em Março de 2007, o XploraSub deslocou-se a Sharm El Sheik, no Egipto, para duas semanas de treino com o propósito de sistematizar rotinas inerentes ao mergulho profundo.

A base foi estabelecida no Camel Dive Club, que providenciou a logística necessária, incluindo a plataforma de operação e respectiva tripulação, e as misturas respiratórias. Usaram-se conjuntos de duas garrafas independentes de 12 litros para as misturas de fundo, com hélio (Trimix 13/39, 12/45 e 11/50), e garrafas de 10 litros para misturas de viagem e descompressão enriquecidas em oxigénio (Nitrox 36 e 80), bem como circuitos fechados electrónicos.

Foram efectuados 12 mergulhos, cuja profundidade variou entre os -62 e os -130 metros, com durações até 100 minutos, em cenários tão dramáticos como o famoso desfiladeiro de Thomas Reef, no estreito de Tiran, ou em Ras Mohammed, na ponta Sul da península do Sinai, sob o sobranceiro Shark Observatory, local que deve o seu nome à presença, outrora frequente, de tubarões junto à superfície das águas, os quais no presente, face à crescente pressão humana, já só ocasionalmente brindam os mergulhadores com um encontro fortuito.

Mergulho em gruta no México

Em Março de 2006, alguns membros do XploraSub deslocaram-se à península do Iucatão (província Quintana Roo), um dos paraísos, de uma beleza extrema, para a prática desta peculiar disciplina do mergulho. A entrada nos rios subterrâneos (não ocorre água à superfície) faz-se através dos abatimentos das galerias (os “cenotes”), normalmente situados no meio da selva.

Foi uma semana de treino intensivo, com dezasseis mergulhos realizados, intercalados com transmissão de conhecimentos teóricos e simulações a seco.

Foram trabalhados, entre outros, os princípios básicos da génese das grutas, a afinação do controle de flutuabilidade, as técnicas de natação, diversas configurações de equipamento, iniciação à topografia subaquática e as respostas a determinadas contingências tais como perda, corte ou prisão no fio, e visibilidade zero, passando pelo mergulho a solo, essenciais à sobrevivência do mergulhador.

Mergulho sob o gelo na Serra da Estrela

Este é tipo de mergulho que acarreta riscos particulares associados às baixas temperaturas inerentes e à existência de um tecto real. Em Portugal os locais adequados são escassos e é difícil estarem reunidas as condições necessárias. Mas foi o que se conseguiu em Janeiro de 2006, na Lagoa comprida. Céu limpo, uma camada de gelo de cerca de 20 cm, e um acesso aceitável. A contrariar estava a temperatura negativa, bastante agravada pelo vento moderado, que congelava em minutos qualquer peça de equipamento que estivesse molhada.

Os mergulhos foram antecipadamente preparados, tendo sido estudadas técnicas e procedimentos específicos para mergulho sob o gelo, incluindo segurança, auto-salvamento e resgate. Devem ser evitados, entre outros, a hipotermia incapacitante do mergulhador, do mergulhador de segurança e do apoio de superfície, o mau funcionamento do equipamento, sobretudo injectores e reguladores, e a perda do ponto de entrada/saída pelo mergulhador, já que é impossível ao mergulhador quebrar gelo que tenha mais do que alguns centímetros de espessura.

As imersões foram planeadas para serem efectuadas a solo, junto ao gelo, com tempo máximo de 30 minutos, não utilizando mais que 30 metros da linha de vida ligada ao apoio de superfície, que funcionava também como meio de comunicação, por intermédio de um código de esticões no cabo. Todos os mergulhadores utilizaram ar como mistura de fundo e como redundância.

A água apresentava-se turva, mas o fascínio deste tipo de mergulho, tão exigente para o material e para o mergulhador, está sobretudo no gelo e na luz que o atravessa.

Projectos em curso

O XploraSub/GES continua a dedicar-se a vários projectos que se encontram em curso, seja em várias grutas, seja em naufrágios. Alguns destes projectos já decorrem há mais de dois anos, pelo que a persistência é também uma das características essenciais para qualquer elemento de uma equipa de mergulho técnico.

Mais informação em www.xplorasub.com .


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