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Mergulho sob o Gelo


Texto: Pedro Ivo Arriegas

Publicado em: Planeta d’Água Nº10 (Março de 2006)

Para além dos habituais riscos que o mergulho comporta, fazê-lo sob o gelo acarreta riscos adicionais, a maioria associada às baixas temperaturas inerentes e à existência de um tecto real.

Torna-se por isso necessário tomar cautelas adicionais, adoptando técnicas e procedimentos específicos de modo a evitar, entre outros, a hipotermia do mergulhador, o mau funcionamento do equipamento e a perda do ponto de entrada/saída pelo mergulhador.

Para além das condicionantes apontadas, podem ainda existir outras, tais como as relacionadas com o mergulho em altitude e a imprevisibilidade meteorológica.

Frio

Num ambiente de frio extremo, como aquele onde uma operação de mergulho sob o gelo se desenrola, a hipotermia é um perigo sempre presente e que não deve sob nenhuma circunstância ser menosprezado. É por isso necessário estar bem alerta aos sinais de aviso (frio, tremores, descoordenação motora e mental, dores, torpor), para despistar males maiores e evitar um complicado processo de recuperação onde é vital um reaquecimento gradual.

Numa operação deste tipo, encontra-se exposto ao frio não apenas o mergulhador, mas igualmente o seu tender (suporte de superfície) e, com frequência, também o seu safety diver (mergulhador de segurança) e o respectivo tender.

É assim crucial que todos estes elementos disponham de protecção térmica apropriada às suas diferentes funções.

Com a ajuda do seu tender, o mergulhador deve ser equipado em local abrigado e aí se manter até iniciar o mergulho, de forma a evitar arrefecer antes da imersão. O fato seco e interiores adequados são uma obrigatoriedade e luvas com bom isolamento térmico (secas de preferência) e protectores labiais também são uma boa ajuda. Para casos difíceis podem ainda ser usados árgon para enchimento do fato seco e uma máscara facial.

O mergulhador deve vigiar a operacionalidade dos lábios e das mãos. Se esta se perder, está na altura de rapidamente abortar o mergulho. Por razões de segurança, as imersões em geral não excedem os 90 minutos.

Após o mergulho é importante evitar o frio e o vento, e vestir roupas secas e quentes.

Sendo no exterior onde em geral o frio é maior e o wind chill factor se faz sentir, o tender deve estar termicamente bem protegido, sem contudo perder flexibilidade. É essencial proteger a cabeça e dispor de luvas (tem de lidar com cabos molhados) e botas (tem de estar sobre o gelo) quentes e impermeáveis.

Pode ser útil uma placa de qualquer material minimamente isolante, de forma a contrariar a passagem do frio do gelo para os pés do tender.

As baixas temperaturas afectam não apenas os elementos participantes na operação, mas também os equipamentos usados.

A possibilidade da entrada em débito contínuo de um regulador devido a congelação, tanto dentro como fora de água, é extremamente alta. O mergulho deve ser iniciado com o equipamento o mais seco possível: as torneiras devem ser purgadas antes de serem colocados os reguladores e estes só devem ser testados já debaixo de água.

Aconselham-se o uso de ar com baixo teor de humidade, de bi-garrafa ou garrafa principal com bail-out adequado, e de reguladores com o 1º andar isolado, possuindo o 2º andar condutores de calor.

A respiração deve ser pausada e os reguladores nunca devem ser utilizados para o enchimento de balões de levantamento.

Se em imersão um regulador entrar em débito contínuo é provável que só fechando a respectiva torneira seja possível parar esse débito. Será então preciso mudar para o outro regulador e fechar a torneira do regulador afectado. Passados um ou dois minutos reabrir a torneira, esperando que o débito já esteja normalizado.

Na condução do mergulho deve ser seguida a regra dos terços ou outra mais conservadora, especialmente se houver patamares de descompressão a cumprir.

De igual modo os injectores do fato e do colete também são susceptíveis do congelamento. Devem por isso estar sempre bem secos antes de serem colocados. As insuflações devem ser curtas e espaçadas. Se em débito, tentar retirar a mangueira, expirar continuamente, vazar ar tanto quanto possível, assumir uma posição horizontal, em bandeira, de forma a retardar a ascensão. Se a situação não se resolver, solicitar ao tender a recolha do mergulhador ou a entrada do safety diver.

Com o frio também os materiais de borracha e silicone se tornam mais rígidos, elevando a probabilidade da sua quebra. É por isso aconselhável o transporte de uma máscara redundante.

A troca de uma máscara em imersão pode revelar-se problemática devido à intensidade do choque térmico sobre a face, pelo que é conveniente proceder de forma tão lenta quanto possível.

Perda do Ponto de Entrada/Saída

A existência de um tecto real (é impossível ao mergulhador quebrar gelo que tenha mais do que uns centímetros de espessura) e de ser aberto neste tecto um orifício (geralmente de forma triangular), obriga ao retorno do mergulhador ao ponto de entrada. Para não haver perda deste ponto, o mergulhador encontra-se ligado por um cabo ao seu tender.

Se o mergulhador perder o cabo, a primeira coisa a fazer é tentar relocalizá-lo. Se esta acção não for bem sucedida, o tender, ao detectar que o mergulhador já não responde aos seus sinais, ordenará então a entrada do safety diver. Nesta situação o mergulhador perdido deve ascender para junto de gelo, manter uma posição vertical (mais facilmente detectável pelo safety diver) e estar atento à passagem do cabo do safety diver. Outra vantagem é a substancial redução do consumo de gás.

Tender

O tender constitui uma peça da maior importância neste tipo de operação. Para além de auxiliar o mergulhador a equipar e a desequipar, o tender tem como principal função monitorizar o mergulhador, mantendo a comunicação através do cabo e controlando o tempo do mergulho e a distância até onde este é efectuado.

O tender está em contacto atento e permanente com o cabo do mergulhador. Se o mergulhador não responde ao seu sinal periódico ou se o tender sente que o cabo se embaraçou, deve enviar o safety diver a investigar e a solucionar a situação.

Comunicação

A comunicação com o mergulhador é efectuada por intermédio de um código de esticões no cabo, permitindo, entre outros, inquirir ao mergulhador se está bem e obter a sua resposta, receber diversas solicitações do mergulhador (como a recolha de cabo, ser puxado ou ordenar a entrada do safety diver), ou indicar-lhe que não é dado mais cabo ou que deve terminar o mergulho.

Existem diversos códigos, que seguem princípios semelhantes, sendo importante que antes de uma operação deste tipo o código adoptado seja do conhecimento de todos os envolvidos.

Safety Diver

O safety diver deve permanecer de prevenção, abrigado e praticamente todo equipado. O seu equipamento é similar ao do mergulhador, possuindo também o seu próprio tender. A diferença mais assinalável consiste no cabo, que terá aproximadamente o dobro do comprimento do do mergulhador, devendo ser flutuante e possuir uma côr diferente.

No caso do mergulhador se perder, é dada pelo tender ordem de entrada ao safety diver, o qual iniciará então um busca circular, junto ao gelo, com origem no ponto de saída e com um alcance superior à distância máxima prevista para o mergulhador, devendo o seu cabo capturar o mergulhador perdido.

Nota: não se pretende com este artigo esgotar o que há para dizer sobre o tema em causa. São somente algumas chamadas de atenção e precauções a tomar, uma resenha de procedimentos e técnicas, e a divulgação de um tipo específico de mergulho, com o seu fascínio próprio. Nada do aqui está escrito substitui a necessidade de obter formação qualificada em mergulho sob o gelo e a consulta de informação mais pormenorizada.


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